Bullying reflete na idade adulta – por Daisaku Ikeda.

Publicado: 07 de Setembro de 2013
O bullying reflete problemas na sociedade adulta
The Japan Times publica ensaio do presidente da SGI.

O décimo artigo editorial de opinião do presidente da SGI, Daisaku Ikeda, foi publicado na edição do Japan Times de 8 de fevereiro. A seguir a íntegra do texto traduzido.

Por Daisaku Ikeda

Inquietantes casos de bullying 1 continuam a produzir notícia. Ouvimos falar diariamente da tragédia de crianças que, incapazes de suportar o acossamento e violência impostos a elas por seus pares e colegas de classe, são levadas ao suicídio.

É dilacerante pensar na dor e desespero que fariam uma criança tirar a sua própria vida, na tristeza e remorso devastador de suas famílias.
O bullying não é uma doença exclusiva do Japão. Os tipos de intimidação extrema que podem conduzir até mesmo ao suicídio, contudo, têm como fundo a natureza fechada e insular da sociedade japonesa. Pessoas de forte individualidade, que possuem alguma qualidade que brilha ou se destaca, muitas vezes são alvos de inveja, tachadas de diferentes e estranhas.

Como tal, elas podem ser submetidas a um esforço organizado para ignorá-las ou condená-las ao ostracismo, que as faz sentir como se a sua própria existência lhes fosse negada. Esse isolamento pode ser acompanhado de ameaças, extorsão e violência física. Algumas crianças podem se tornar
apoiadoras ativas do bullying enquanto outras, temerosas de que poderão ser o próximo alvo, permanecem como espectadoras passivas.
Essa dinâmica reflete uma patologia profundamente arraigada dentro da sociedade japonesa. É raro os pais e professores reunirem coragem e solidariedade para enfrentar a prática do bullying.

O que também parece ser algo exclusivo do Japão é a rapidez para se culpar a vítima. Há uma concepção amplamente difundida, apesar de inconsciente, de que as vítimas de bullying são, elas próprias, pelo menos parcialmente responsáveis pela situação em que se encontram. Esse modo de pensar age para justificar o bullying bem como a indiferença que permite que ele persista.
Como alguém poderia imaginar que há pessoas no mundo que mereçam ser intimidadas dessa maneira? O bullying é um ato ignóbil e malévolo que não pode e nem deve jamais ser legitimado.

As pessoas não sofrem o bullying porque são fracas. Antes, o bullying espelha a fraqueza interna dos agressores, a incapacidade deles em resistir a seus impulsos mais hediondos. Como apontou Mahatma Gandhi, a violência nasce, no final das contas, da covardia. O primeiro passo para se lidar com o bullying é transformar as atitudes culturais que as autorizam. Isso requer que declaremos claramente que a culpa pelo bullying é 100% daqueles que o praticam. Além disso, é necessário que os adultos – sejam pais ou professores – que tomem conhecimento do bullying pronunciem-se, dando
um exemplo de coragem e ação para as crianças. Igualmente crucial é o esforço para se tornar o tipo de pessoa a quem a criança vitimada pelo bullying possa recorrer com segurança. Precisamos ser capazes de discernir o apelo muitas vezes silencioso dessas crianças.

O bullying ganhou destaque como problema social sério no Japão na década de 1980. As várias formas de violência que infestavam as escolas na década de 1970 haviam sido controladas, mas, sugeriu-se, o vigor das medidas empregadas para conseguir isso deixou sem solução questões subjacentes, empurrando a violência a planos subterrâneos e recônditos. A agressão outrora dirigida contra professores e escolas voltou-se para os colegas de classe. As rápidas mudanças na sociedade deixaram as crianças expostas a formas intensas de pressão. A lógica fria e implacável do mundo dos adultos é aplicada, sem mediação, às vidas das crianças, que são submetidas a graus excessivos de competição, seleção, classificação e padronização.

A disfunção tão evidente no bullying das escolas atualmente espelha o estado da sociedade adulta, que é repleta de formas insidiosas de bullying – crueldade imparcial derivada do cinismo e do auto-envolvimento, violação dos direitos dos cidadãos pela mídia, programas de televisão que escarnecem de pessoas vulneráveis, preconceito e discriminação em suas várias formas. Cercar as crianças com essas realidades e esperar que elas adiram a formas idealizadas de comportamento não é justo.

A urbanização e o colapso da família ampliada privaram as crianças de espaços físicos e sociais onde elas sejam envoltas com afeto e possam desenvolver amizades confortavelmente. E os pais freqüentemente sofrem tanto a pressão do tempo e do trabalho que não conseguem se dedicar
plenamente aos filhos, nem interagir com eles. Muitas crianças que se tornam violentas carregam o sentimento de serem negligenciadas e ignoradas. Para o crescimento sadio das crianças é necessário que elas se sintam aceitas e abraçadas pelo que são. Quando as crianças conseguem sentir aceitação, desenvolvem uma consciência natural de seu valor único e insubstituível. Elas passam a se valorizar e cuidar de si. Ao mesmo tempo, isso desperta o sentimento de confiança e respeito pelos outros.

No final, as crianças desejam apenas uma coisa – serem amadas. É por isso que a família deve ser um porto de segurança e proteção para as crianças. Rosa Parks certa vez contou-me o que sua mãe dizia: “Não há lei que dite que as pessoas têm de sofrer”. A mãe dela também lhe ensinou o valor do auto-respeito e a respeitar a si e aos outros. Penso que, nessas lições da infância, podemos ver as profundas fontes de coragem e dignidade por trás do papel fundamental que ela exerceu no boicote aos ônibus em Montgomery em 1955 e que representou um histórico divisor de águas no movimento
dos direitos civis americanos.

Toda criança tem o direito de caminhar orgulhosamente para o futuro, com a cabeça erguida. O horror de uma sociedade permeada por diferentes expressões de bullying é que ela esmaga a percepção de valor pessoal das crianças, roubando-lhes a luz da esperança no futuro.
Todos os jovens necessitam que alguém lhes assegure claramente que, quando estamos sofrendo, embora possa parecer que a escuridão irá durar para sempre, esse não é, absolutamente, o caso. A noite sempre dá lugar ao amanhecer. Mesmo que o frio do inverno dê a impressão de que continuará
eternamente, ele sempre é seguido pela primavera. E aqueles que mais sofreram são mais capazes de compreender o coração das pessoas. Eles têm uma contribuição ímpar e vital a dar.

As crianças são o nosso único futuro, nossa única e insubstituível esperança. As crianças estão nos instando – literalmente ao risco de suas vidas – a tomar consciência das distorções do mundo adulto. A resposta ao choro silencioso delas está a chave para curar a doença desesperadora de nosso tempo. Somente passando a nos envolver diretamente com elas, com seus sentimentos e necessidades, é que iremos redimir nossa própria humanidade.

Daisaku Ikeda é presidente da Soka Gakkai Internacional e fundador da Universidade
Soka e do Instituto Toda para Pesquisa sobre a Paz Global e Programas de Ação.

1. Ato de intimidação, agressão, acossamento praticado contra outra pessoa, muitas vezes considerada mais fraca.
 

Compartilhe:

Arquivo